A súmula vinculante 25 do STF proíbe a suspensão do passaporte do devedor e as, supostas, medidas atípicas do CPC/15

Segundo o advogado e empresário Marcelo de Freitas e Castro é importante que esclareçamos que não existe uma súmula vinculante do STF que diga uma linha, sequer, sobre as Medidas Atípicas do CPC.

Em realidade, quando aprovada [em 16/12/09] a citada súmula, a jurisprudência sequer imaginava a possibilidade de que um dia viríamos a discutir algo como a proibição de livre circulação de alguém, em razão de um ônus financeiro.

Com efeito, a regra geral dos Ordenamentos Jurídicos dos Estados de Direito Civilizados é que penas pessoais [restrição total ou parcial à liberdade de alguém] são reservadas àqueles que cometeram atos criminosos, ou, então, para as dívidas cíveis de extrema relevância, como, por exemplo, débitos alimentares, sobre os quais falaremos noutro artigo.

Pois bem, a súmula vinculante 25 do STF diz ser proibida a prisão civil do infiel depositário. Citamos abaixo a íntegra da súmula:

Súmula vinculante 25

Enunciado

É ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito.

Nosso arcabouço legislativo é dotado de sólidas normas, as quais tem previsão/proteção constitucional, protetivas aos Direitos Humanos. Uma delas, talvez a mais importante, é o Pacto de São José da Costa Rica, o qual fora recepcionado pelo art. 5º da CF/88, em seus parágrafos 2º, 3º e 4º, que citamos abaixo:

CF, art. 5º

§ 2º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.  

§ 4º O Brasil se submete à jurisdição de Tribunal Penal Internacional a cuja criação tenha manifestado adesão. 

Mais adiante, teremos duas normas, insertas no Pacto de São José da Costa Rica, as quais são de extrema importância para este paper. Tratam-se dos artigos 7º e 22, os quais falam, respectivamente, do Direito à Liberdade Pessoal e do Direito de Circulação e Residência. Citamos abaixo os textos legais:

ARTIGO 7

Direito à Liberdade Pessoal

(…)

  1. Ninguém deve ser detido por dívida. Este princípio não limita os mandados de autoridade judiciária competente expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar. 

E

ARTIGO 22 – DIREITO DE CIRCULAÇÃO E RESIDÊNCIA

Toda pessoa que se ache legalmente no território de um Estado tem direito de circular nele e de nele residir em conformidade com as disposições legais.


Toda pessoa tem o direito de sair livremente de qualquer país, inclusive do próprio.


O exercício dos direitos acima mencionados não pode ser restringido senão em virtude de lei, na medida indispensável, numa sociedade democrática, para prevenir infrações penais ou para proteger a segurança nacional, a segurança ou a ordem públicas, a moral ou a saúde públicas, ou os direitos e liberdades das demais pessoas.

Como já vimos alhures1, o Pacto de São José da Costa Rica diz, expressamente, que apenas em razão de um processo/infração penal os países (signatários do Pacto, como o é o Brasil), podem proibir seus cidadãos de deixarem suas fronteiras.

Tecnicamente, a norma não diz isso, mas qualquer limitação a Direitos Fundamentais deve ser interpretada de forma [extremamente] restritiva. Tal e qual o Código Penal que é uma norma que, em sua essência, prevê restrição a um dos mais importantes Direitos Fundamentais, qual seja a Liberdade.

Aliás, o art. 29 do Pacto de São José da Costa Rica trata da hermenêutica que se deve aplicar àquela norma:

ARTIGO 29

Normas de Interpretação

Nenhuma disposição desta Convenção pode ser interpretada no sentido de:

permitir a qualquer dos Estados-Partes, grupo ou pessoa, suprimir o gozo e exercício dos direitos e liberdades reconhecidos na Convenção ou limitá-los em maior medida do que a nela prevista;
limitar o gozo e exercício de qualquer direito ou liberdade que possam ser reconhecidos de acordo com as leis de qualquer dos Estados-Partes ou de acordo com outra convenção em que seja parte um dos referidos Estados;
excluir outros direitos e garantias que são inerentes ao ser humano ou que decorrem da forma democrática representativa de governo; e
excluir ou limitar o efeito que possam produzir a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem e outros atos internacionais da mesma natureza.

Temos aqui, voltando ao título desse artigo, a seguinte – e importante – pergunta: O que vincula numa súmula vinculante? O seu verbete (isto é, a sua síntese que é registrada como orientação jurisprudencial), ou, por outra, o acórdão paradigma que origina a mesma?

(Com efeito, e esse não é propriamente o objeto desse texto, mas hoje,  nosso Ordenamento Jurídico vem fazendo – cada vez com mais intensidade – a busca pela padronização/uniformização da jurisprudência. As Súmulas Vinculantes são uma das ferramentas utilizadas para seja alcançado este desiderato.)

Nos parece razoável inferirmos que, dentro de um sistema que busca a padronização da jurisprudência para casos idênticos, que mais importante que o verbete, o enunciado da Súmula, são os casos paradigmas que formaram a mesma.

Neste sentido ensina, aliás, Fredie Didier Jr2.

“Em um sistema processual que valoriza o precedente judicial, o relatório possui um papel relevantíssimo na identificação da causa e, com isso, dos fatos relevantes, sem os quais não é possível a aplicação dos precedentes judiciais. Não se pode aplicar ou deixar de aplicar um precedente, sem saber os fatos da causa a ser decidida se assemelham ou se distinguem dos fatos da causa que gerou o precedente.”

Aliás, prova direta que, num sistema que privilegia o precedente, em detrimento do caso isolado, da preocupação do legislador com a correta formação da decisão, foi a transposição do texto constitucional para o CPC de que as decisões judiciais  sejam detalhadamente fundamentadas (art. 489).

O que temos é que os casos paradigmas que deram a origem à súmula 25 do Pretório Excelso, não dizem respeito apenas à prisão civil do infiel depositário, mas, principalmente, sobre a vedação constitucional a esta em razão da aplicação, em nosso Ordenamento Jurídico, do Pacto de São José da Costa Rica.

Quando analisamos um dos casos paradigmas que levaram à edição da súmula 25, o acórdão do RE 46.634, verificamos que toda a fundamentação passa, principalmente, pela questão da violação ao Pacto de São José da Costa Rica. Citamos entrecho do voto do ministro Gilmar Mendes àquele caso.

Se não existem maiores controvérsias sobre a legitimidade constitucional da prisão civil do devedor de alimentos, assim não ocorre em relação à prisão do depositário infiel. (…) O art. 7º da Convenção Americana sobre Direitos Humanos assim o dispõe. (…) Enfim, desde a adesão do Brasil (1992) ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e políticos e ao Pacto de São José, não há base legal para a aplicação da parte final do art. 5º, inciso LXVII, ou seja, para a prisão civil do depositário infiel.”

Noutras palavras, o que o STF garante com sua súmula vinculante 25, apesar de fundamentações distintas dos ministros, é um alcance maior que a proibição do que a prisão civil do infiel depositário. Isso é o que consta na ementa da referida súmula, o conteúdo de fundo da mesma é a impossibilidade da violação do Tratado Internacional de Direitos Humanos, qual seja, o Pacto de São José da Costa Rica3.