Bactérias que habitam as cascas das árvores parecem ser capazes de absorver um dos mais importantes gases do efeito estufa, o metano (CH4), conforme indica artigo publicado esta semana (24/7) na revista Nature. Isso é importante porque, ao longo da última década, medições de gases que contribuem para o aquecimento global indicaram que a floresta amazônica poderia estar contribuindo para o problema, em vez de ser a solução. A entrada em cena dos novos atores sugere uma equação mais complexa do que parece, além de propor armas adicionais na busca pela mitigação dos danos globais agravados pela ação humana.
As coletas na Amazônia vêm sendo feitas desde 2013 por um grupo internacional liderado pelo biólogo brasileiro Alex Enrich Prast, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) atualmente na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), em parceria com o grupo do biólogo britânico Vincent Gauci, da Universidade de Birmingham, no Reino Unido. “Nós mediamos os fluxos de metano na floresta com baldinhos, enquanto outros faziam monitoramento com aviões”, conta Prast. Além do trabalho em que está envolvido, ele se refere ao liderado pela química Luciana Gatti, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que, por meio de monitoramento aéreo colhendo ar em diferentes regiões da Amazônia, detectou um volume de emissões maior do que o esperado entre 2011 e 2013.
O trabalho dos pesquisadores de campo trouxe a explicação: o metano formado no solo sem oxigênio das áreas alagadas é processado pelas bactérias associadas às raízes das árvores, que funcionam como chaminés que lançam à atmosfera o gás nocivo. A união dos esforços dos dois grupos constatou que as árvores nessas áreas de várzea emitiam tanto metano quanto o que é liberado pelo oceano inteiro, como descreveram em artigo da mesma Nature, em 2017.
De lá para cá, Prast, Gauci e outros colaboradores continuaram a carregar seus equipamentos pelo meio da floresta e perceberam que muitas vezes as árvores fazem o contrário do que os resultados anteriores tinham levado a temer: assimilam mais do que emitem, funcionando como sumidouros de metano. Isso acontece nas próprias várzeas, quando não estão alagadas e têm oxigênio no solo, e também – e principalmente – em florestas de terra firme, não alagáveis.
Faltava entender por quê. Para isso, prenderam às árvores, em diferentes alturas, aparatos que funcionam como câmaras detectoras de gases e mostraram que os troncos absorvem CH4. Mais especificamente, a microbiota do tronco das árvores, que por isso é classificada como metanotrófica, ou consumidora de metano. “Vimos que a assimilação é maior na porção mais alta do tronco”, completa Prast. Nas várzeas a absorção também acontece, mas não é visível no balanço de emissões na estação alagada devido ao metano produzido no solo sem oxigênio.
Os pesquisadores também coletaram amostras da madeira em diferentes alturas, das quais extraíram DNA. “Já identificamos, na microbiota do tronco, algumas bactérias que oxidam metano.” Os pesquisadores já sabem também que há diferenças, por exemplo, na comunidade microscópica das cascas mais lisas ou mais rugosas. Por isso, mais adiante, será importante caracterizar a composição em diferentes espécies vegetais – algo que ainda não foi feito pela dificuldade de se identificar todas as árvores em campo.
Na Amazônia, as medições foram feitas na Reserva Extrativista do Lago do Cuniã, em Rondônia, às margens do rio Madeira e cerca de 130 quilômetros (km) a nordeste de Porto Velho. Os cálculos indicam que a absorção de carbono pela superfície dos troncos em florestas maduras equivale a 15% da absorção média de todo o carbono pela biomassa vegetal da Amazônia, um valor significativo. Prast agrega que a absorção detectada foi maior que a realizada pelo solo, cuja microbiota era até agora considerada a protagonista nesse ciclo gasoso, e que o fluxo de metano nas folhas – que também abrigam todo um ecossistema microscópico – não é considerável.
O estudo incluiu análises semelhantes na floresta Gigante, na ilha de Barro Colorado, uma estação de pesquisa no Panamá, na floresta temperada de Wytham, no Reino Unido, e em Skogaryd, floresta hemiboreal de coníferas na Suécia. A comparação entre os ecossistemas deixou claro um gradiente associado à temperatura. Os troncos absorvem mais metano em climas mais quentes – Amazônia e Gigante, em escala equivalente – do que na vegetação britânica e, por fim, na sueca. “Provavelmente essa diferença diz respeito à capacidade de a microbiota se manter nas diferentes temperaturas”, sugere Prast.
Mesmo florestas imaturas, com árvores finas, têm uma grande superfície capaz de abrigar bactérias. Entender seu papel reforça a importância do reflorestamento para mitigar as emissões de gases do efeito estufa. O estudo publicado nesta semana estima um benefício em termos de mitigação que corresponderia a 7% da absorção em florestas temperadas e 12% nas tropicais, o que equivaleria a um aumento de 10% no benefício que já tinha sido calculado para a expansão de florestas.
O agrônomo Jean Ometto, do Inpe, considera uma boa notícia a indicação de que a recuperação florestal possa ter um benefício climático adicional substantivo. “A redução das concentrações de metano antrópico na atmosfera, por sua dinâmica e tempo de residência, é de enorme relevância para que as metas do Acordo de Paris possam ser atingidas”, informa ele, que não participou do estudo, referindo-se ao tratado internacional firmado m 2015. O metano tem vida curta na atmosfera, cerca de 10 anos, enquanto o CO2 permanece mais de um século. Mesmo assim, o CH4 tem um poder de aquecimento maior devido à maneira como sua estrutura molecular reage com a radiação solar.
Ometto alerta também para a necessidade de se entender melhor como se dá o fluxo de gases no interior da floresta. O pesquisador, especialista em balanço de gases do efeito estufa, indica que o metano que circula próximo aos troncos possa ser principalmente oriundo de incêndios florestais, mas também da atividade biótica de comunidades de microrganismos anaeróbicos presentes nos ecossistemas dos troncos e do solo.
Nos últimos anos, Prast e colaboradores mantiveram medições periódicas em regiões diferentes da Amazônia para entender melhor o papel da floresta, já que a biomassa de árvores varia muito conforme o local. Para chegar a conclusões abrangentes, porém, parece necessário que mais grupos de pesquisa se envolvam. “A Amazônia tem um tamanho que abarca a Europa inteira, e ainda sobra”, lembra o biólogo da UFRJ. Ele se diverte comparando a dificuldade de chegar e acampar no Cuniã (um local bastante acessível em termos de Amazônia) com o trabalho em Skogaryd, na Suécia, aonde os pesquisadores chegam por estrada em pouco tempo. “E voltam para dormir em casa depois da coleta.”
Ele ressalta que o conhecimento sobre a microbiota surgiu a partir de um resultado que parecia negativo: uma emissão de metano pela floresta, que a punha no papel de vilã. “Essa nova área da ciência não avançaria se não tivéssemos prestado atenção a esse resultado.”
“Considerar que a microbiota das cascas das árvores também consome metano altera significativamente o balanço de gases”, diz a engenheira-agrônoma brasileira Júlia Gontijo, pesquisadora em estágio de pós-doutorado na Universidade da Califórnia em Davis, Estados Unidos, no grupo do engenheiro-agrônomo brasileiro Jorge Rodrigues. A pesquisadora publicou recentemente um artigo na revista Environmental Microbiome, no qual analisou a capacidade metanotrófica do microbioma do solo em áreas de florestas de várzea e de terra firme na região amazônica próxima a Santarém, no Pará, como parte do doutorado no Centro de Energia Nuclear na Agricultura da Universidade de São Paulo (Cena-USP). Ela incubou amostras de solo das áreas de estudo e simulou as estações de cheia e seca e o aumento de temperatura esperado em projeções de mudanças climáticas. Apesar de o solo da floresta de terra firme ser habitualmente um sumidouro de metano, Gontijo viu esse consumo diminuir com o aumento da temperatura. Já no solo de várzea, não detectou alterações expressivas no comportamento microbiano. “Esses microrganismos naturalmente lidam com flutuações drásticas no ambiente, como o alagamento periódico, e parecem ter mais plasticidade para lidar com mudanças”, pondera.
Gontijo se entusiasma com a possibilidade de sequenciar os genomas da microbiota dos troncos das árvores e compreender em profundidade quais organismos estão presentes e como a composição varia conforme o ambiente. “As metanotróficas são as minhas favoritas, pois elas podem nos ajudar no futuro.” Em amostras de solo amazônico, ela agora está estudando o material genético e também indicadores metabólicos, para investigar a ação microbiana. “A composição da microbiota não revela tudo, porque um microrganismo pode estar presente, mas dormente”, explica. Mais adiante ela pretende também sequenciar RNA para inferir a atividade desses organismos.