Em maio de 2023, durante uma reunião no Ministério da Igualdade Racial, o então ministro dos Direitos Humanos, Sílvio Almeida, passou sua mão entre as pernas da ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco. Na mesma ocasião, lhe teria dado beijos e dito a ela palavras inconvenientes.
Em resumo, deu-se assim o episódio de assédio sexual envolvendo dois ministros do governo Luiz Inácio Lula da Silva, conforme o relato que foi feito por Anielle Franco a outras autoridades do governo. E que culminou com a demissão de Silvio Almeida pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva na última sexta. Agravava ainda a situação do ministro 14 outras denúncias de assédio sexual feitas á Organização Não Governamental (ONG) Me Too e ainda casos de assédio moral no ministério. E um vídeo, da professora universitária e candidata a vereadora na cidade de Santo André (SP), Isabel Rodrigues, relatando situação muito semelhante à que foi contada por Anielle Franco.
Sílvio Almeida nega todas as acusações contra ele. Afirma ser vítima de uma armação e do peso de disputas políticas. Em sua defesa, antes de deixar o ministério, acusou o Me Too de ter interesse em uma licitação para a administraçao do Disque 100, canal para denúncias de violação de direitos humanos. Pessoas próximas a ele insinuam também disputas pelo protagonismo entre os dois na questão racial dentro do governo.
Nota dura
Uma dura nota do Palácio do Planalto selou o destino de Sílvio Almeida no Ministério dos Direitos Humanos.
“Diante das graves denúncias contra o ministro Silvio Almeida e depois de convocá-lo para uma conversa no Palácio do Planalto, no início da noite da última sexta-feira (6), o presidente Lula decidiu pela demissão do titular da Pasta de Direitos Humanos e Cidadania. O presidente considera insustentável a manutenção do ministro no cargo, considerando a natureza das acusações de assédio sexual”, iniciou a Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República. “O Governo Federal reitera seu compromisso com os Direitos Humanos e reafirma que nenhuma forma de violência contra as mulheres será tolerada”, finalizou.
Na nota da Secom, também foi informado que a Polícia Federal abriu de ofício um protocolo inicial de investigação sobre o caso e a Comissão de Ética Pública da Presidência da República abriu procedimento preliminar para esclarecer os fatos.
Denúncias
As informações a respeito das denúncias de assédio sexual contra Sílvio Almeida foram inicialmente publicadas pelo colunista Guilherme Amado no site Metrópoles. Logo, foram confirmadas pelo Me Too. Foram agravadas pelo silêncio inicial de Anielle. Um dia, depois, porém, ela tudo confirmaria em uma reunião com o ministro da Controladoria-Geral da União (CGU), Vinicius Carvalho; o advogado-geral da União, Jorge Messias; a ministra das Mulheres, Cida Gonçalves, e a ministra de Gestão e Inovação, Esther Dweck. Na reunião, Anielle detalhou como se deu a situação de assédio. E que outras situações também aconteceram.
Os ministros também conversaram com Sílvio Almeida, que afirmou ser vítima de uma “armação”, pois o Me Too teria sido prejudicado em um processo de licitação para a administração do Disque 100 (ferramenta do Ministério para denúncias de violação de direitos humanos). Adicionalmente, ele atribuiu o vazamento das denúncias do Me Too ao advogado Marco Aurélio de Carvalho, do grupo atribuiu o vazamento das denúncias do Me Too ao advogado Marco Aurélio de Carvalho, do grupo Prerrogativas.
Enquanto o governo apurava a situação, a candidata a vereadora na Câmara Municipal de Santo André, em São Paulo, Isabel Rodrigues (PSB), afirmou também ter sido vítima de assédio sexual pelo agora ex-ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida. Segundo ela, o episódio aconteceu em agosto de 2019, anos antes de ele assumir o Ministério. A exposição foi feita por meio de um vídeo no Instagram.
Isabel, que também é professora, fazia parte da Escola de Governo e mantinha uma relação de amizade com Sílvio. Em seu relato, ela afirma que, em um almoço, foi assediada pelo atual chefe da pasta de direitos humanos. A candidata disse que não denunciou anteriormente por medo.
“Sentei do lado dele e não sei por qual motivo ele se achou no direito de invadir as minhas partes íntimas sem o meu consentimento. A violência sexual sofrida há cinco anos foi tema em sessões de terapia. Foi tema de conversas com minhas irmãs e amigos mais próximos. Pensei muitas vezes em denunciar. Não o fiz por vários motivos, e o motivo maior foi o medo de isso voltar contra mim. Sílvio tem o conhecimento da lei e poderia facilmente fazer as coisas mudarem de rumo”, contou Isabel.
A ONG Me Too informou que as vítimas autorizaram a divulgação das denúncias, mas não quiseram se identificar.
“A organização de defesa das mulheres vítimas de violência sexual, Me Too Brasil, confirma, com o consentimento das vítimas, que recebeu denúncias de assédio sexual contra o ministro Sílvio Almeida, dos Direitos Humanos. Elas foram atendidas por meio dos canais de atendimento da organização e receberam acolhimento psicológico e jurídico”, informou a Me Too.
Silêncio
O caso é interpretado como a maior crise vivida até agora pelo terceiro governo Lula. E uma crise também no campo das esquerdas e da defesa dos direitos humanos, dado o perfil dos envolvidos. O advogado, filósofo e professor universitário Sílvio Almeida era, até a denúncia, um dos nomes mais respeitados na defesa dos direitos humanos e no combate á desigualdade racial. Da mesma forma, Anielle Franco, formada em jornalismo e inglês, é nome destacado também na defesa da igualdade racial, além de ser irmã da vereadora Marielle Franco, assassinada no Rio de Janeiro em 2018.
O peso das reputações talvez tenha produzido uma espécie de pacto de silêncio em torno do que acontecia antes do escândalo estourar. Pessoas mais próximas a Anielle dentro do governo e no entorno do presidente já sabiam do que acontecia. Entre elas, a primeira-dama Janja da Silva, o que leva a supor que Lula também já tinha conhecimento.
O ex-secretário nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente Ariel de Castro Alves afirmou ao jornal O Estado de São Paulo que o governo sabia das denúncias de assédio contra Sílvio Almeida desde pelo menos janeiro deste ano. “Na época, foi difícil de acreditar, mas ouvi colegas do movimento negro e do ministério que confirmaram e falaram que as situações eram reiteradas”, disse ele.
Sílvio nega
Por meio de nota divulgada antes da demissão, o ex-ministro negou as acusações e afirmou que “quaisquer distorções da realidade serão descobertas e receberão a devida responsabilização”.
“Repudio com absoluta veemência as mentiras que estão sendo assacadas contra mim. Repudio tais acusações com a força do amor e do respeito que tenho pela minha esposa e pela minha amada filha de 1 ano de idade, em meio à luta que travo, diariamente, em favor dos direitos humanos e da cidadania neste país. Toda e qualquer denúncia deve ter materialidade. Entretanto, o que percebo são ilações absurdas com o único intuito de me prejudicar, apagar nossas lutas e histórias, e bloquear o nosso futuro”, disse Almeida.
Redução de danos
Desde a sexta-feira (06/9) passada, o governo trabalha para, agora, tentar reduzir os danos. Segundo as informações, Lula pensa em colocar no lugar de Sílvio Almeida agora uma mulher negra. Manteria, assim, o mesmo equilíbrio racial e ao mesmo tempo reduziria críticas que sofre desde o início do governo pela baixa representação feminina em seu governo.
O nome escolhido por Lula é o da educadora e deputada estadual pelo PT em Minas Gerais Macaé Evaristo. Macaé foi secretária de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão no Ministério da Educação entre 2013 e 2014 no governo Dilma Rousseff.