Forças Armadas veem condenações no STF (Supremo Tribunal Federal) como página virada, mas projetam desgastes no STM (Superior Tribunal Militar)

Com a condenação inédita de militares pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por tentativa de golpe, a cúpula das Forças Armadas tem adotado o discurso de página virada do episódio que afetou a imagem da instituição, mas já prevê novos desgastes a partir dos próximos passos do processo. Após superada a fase de recursos na Corte, há a possibilidade de os oficiais cumprirem suas penas em salas de Estado-Maior em quartéis do Exército e, no caso do almirante Almir Garnier Santos, da Marinha. Além disso, o Superior Tribunal Militar (STM) deverá julgar pedidos para que eles sejam expulsos.

Além de Garnier, o STF condenou três generais — os ex-ministros Augusto Heleno, Paulo Sérgio Nogueira e Walter Braga Netto —, um capitão do Exército — o ex-presidente Jair Bolsonaro — e um tenente-coronel, Mauro Cid. Neste último caso, porém, a pena imposta, de 2 anos, prevê regime aberto. O ex-ajudante de ordens da Presidência foi beneficiado por firmar um acordo de delação premiada com a Polícia Federal (PF).

A situação que mais preocupa, contudo, é a de Bolsonaro. O comandante do Exército, general Tomás Ribeiro Paiva, chegou a ser consultado antes da condenação sobre a possibilidade de o ex-presidente cumprir sua pena em uma sala de Estado-Maior e manifestou contrariedade, segundo interlocutores. Há uma avaliação na Força que o manter em uma unidade militar poderia acirrar os ânimos internamente e seria como “levar a política para dentro do quartel de forma literal”, nas palavras de uma pessoa próxima.

Além disso, integrantes do governo avaliam que a medida poderia acarretar um novo acampamento bolsonarista nas proximidades, a exemplo do que ocorreu com Luiz Inácio Lula da Silva quando ficou preso em Curitiba. Na época, apoiadores do petista ficaram por meses em uma área próxima à Superintendência da Polícia Federal na capital paranaense, onde montaram uma vigília em defesa da liberdade do hoje presidente. O comandante do Exército já disse a interlocutores que ele não permitiria acampamentos do tipo em hipótese alguma.

O artigo 73 do Estatuto dos Militares, de 1980, prevê que, em caso de condenação de militares, o cumprimento da pena ocorra “somente em organização militar da respectiva Força cujo comandante, chefe ou diretor tenha precedência hierárquica sobre o preso”. No caso de Bolsonaro, isso não seria um problema, pois ele é capitão, mas Heleno, Paulo Sérgio e Braga Netto estão no topo da carreira e só poderiam ser abrigados em unidades onde tenham outros generais de quatro estrelas à frente.

Moraes decidirá destino

Como mostrou o Globo, o Exército dispõe de 20 alojamentos de Estado-Maior em Brasília. Os cômodos são suítes com cama, armário, mesa, televisão e frigobar. A maioria desses alojamentos fica no Setor Militar Urbano, área central da capital federal, onde funciona também o Comando do Exército.

A decisão sobre o local de cumprimento da pena, porém, será definido pelo ministro Alexandre de Moraes, relator da ação penal, após o chamado trânsito em julgado — quando não há mais possibilidade de recursos.

Mas os oficiais poderão ficar pouco tempo nessas unidades militares. Após o fim do processo no STF, caberá à Justiça Militar decidir se poderão manter seus postos e patentes ou se deverão ser expulsos da Força, o que é considerado pelo meio militar um cenário ainda pior do que a privação de liberdade.

Neste caso, o Ministério Público Militar oferece a denúncia de “indignidade” do oficial para permanecer na Força, que será julgada pelo plenário do STM, formado por 15 ministros. Será a primeira vez que o tribunal analisará casos de generais quatro estrelas.

Vice-presidente do STM, Francisco Joseli Parente Camelo, ressalta que os oficiais foram julgados por crimes que não são relacionados às instituições.

O ministro Alexandre de Moraes conduziu de forma correta. Às Forças cabe cumprir a sua missão constitucional — afirma ele. — Em outros momentos da História, tivemos anistia. Agora, o STF fez o que tinha que fazer. É a Corte quem dá a última palavra — completou Camelo.

A principal orientação da cúpula militar sobre o julgamento é que se trata de um assunto da Justiça e do STF, e cabe à Corte se manifestar sobre o tema. Por determinação do ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, o comando das Forças manteve-se em silêncio após o término do julgamento.

Considerado a principal autoridade no estudo da ditadura militar no país, o historiador da UFRJ Carlos Fico afirma que o julgamento do STF é um alerta para as Forças Armadas de que algo mudou.

É a primeira vez que está havendo julgamento. É mais importante a condenação desses oficiais-generais do que a do ex-presidente Jair Bolsonaro. Porque isso nunca aconteceu antes. O problema da democracia brasileira é essa fragilidade institucional marcada pelo intervencionismo militar, que vem desde a Proclamação da República e nunca se resolveu.