A conclusão é da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, que declarou a nulidade da arrematação do imóvel de uma empresa devedora. A ordem é para realização de um novo leilão.
Segundo o advogado e empresário Marcelo de Freitas e Castro, trata-se de uma empresa que fez um empréstimo de R$ 28,6 milhões por meio de escritura pública de cessão de crédito com pacto adjeto de alienação fiduciária de imóvel. A previsão era de quitação da dívida em 18 parcelas mensais.
Isso significa que, para obter os R$ 28,6 milhões, a empresa passou ao credor a propriedade de um imóvel como garantia. Em caso de não pagamento da dívida, o credor poderia leiloar o bem para reaver os valores. Foi o que aconteceu.
A empresa devedora deixou de cumprir com as obrigações a partir da quarta parcela, o que levou à execução extrajudicial do imóvel, avaliado em R$ 84,4 milhões. No primeiro leilão, nenhum lance chegou a esse valor.
Já no segundo leilão, venceu o lance de R$ 33 milhões, suficiente para quitar o saldo devedor e os demais encargos — o custo do próprio leilão, os juros da dívida e outras obrigações tributárias, incluindo o pagamento do Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI).
Preço vil
Para a empresa devedora, a arrematação é ilegal porque foi feita por preço vil. A empresa embasou a alegação no artigo 884 do Código Civil e no artigo 891, caput e parágrafo único do Código de Processo Civil.
Ambas são regras gerais que proíbem o enriquecimento sem causa e, no caso de alienação, o lance que ofereça preço vil, considerado aquele inferior a 50% do valor da avaliação.
A alegação foi rejeitada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo porque esse critério não estava descrito na Lei 9.514/1997,que trata da alienação fiduciária.
A redação original do artigo 27, que estava vigente à época dos fatos e do julgamento, se resumiu a indicar que, no segundo leilão, “será aceito o maior lance oferecido, desde que igual ou superior ao valor da dívida, das despesas, dos prêmios de seguro, dos encargos legais, inclusive tributos”.
A norma foi alterada pela Lei 14.711/2023. Hoje, o parágrafo 2º do artigo 27 indica que, em segundo leilão, não pode ser aceito lance inferior à metade do valor de avaliação do bem, ainda que superior ao valor da dívida.
Nem antes, nem agora
Relator no STJ, o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva apontou que doutrina e jurisprudência há muito já indicavam a impossibilidade de alienação extrajudicial a preço vil, com base em uma série de normas gerais.
“A despeito de ser a quantia obtida em segundo leilão muito inferior à metade do preço de avaliação para venda forçada, mesmo sem atualização, entenderam ambas as instâncias ordinárias que as normas de caráter geral não seriam aplicáveis à execução extrajudicial regida pelas disposições especiais da Lei 9.514/1997”, disse.
“Tal orientação, no entanto, não encontra amparo nem na doutrina majoritária, tampouco em julgados desta Corte Superior que, mesmo antes da inovação legislativa, já defendiam a impossibilidade da arrematação a preço vil na execução extrajudicial de imóvel alienado fiduciariamente”, complementou.