O uso de medidas atípicas em execução no âmbito da Justiça do Trabalho deve ponderar a satisfação da tutela jurisdicional, não perdendo de vista os direitos e a integridade do devedor, assegurando que a justiça seja realizada de forma eficaz e justa.
As medidas atípicas de execução são ferramentas judiciais não convencionais utilizadas para assegurar o adimplemento da obrigação na forma especificada no título executivo, tendo lugar quando os métodos tradicionais de execução se mostram insuficientes.
Estas medidas passaram a ser fundamentadas no art. 139, IV, do CPC/15, que concedeu ao juiz a autoridade para adotar todas as providências necessárias para garantir a efetividade da tutela jurisdicional – métodos coercitivos atípicos.
Transição do direito processual civil para o processo do trabalho
A adoção de medidas atípicas iniciou-se no âmbito do Direito Processual Civil, como uma resposta às dificuldades enfrentadas na execução de sentenças, especialmente quando os devedores recorrem a práticas para ocultar seus bens ou frustrar a execução judicial.
O art. 139, IV, do CPC versa sobre os poderes do juiz na efetivação da tutela jurisdicional, podendo o magistrado adotar “todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial“.
Segundo o advogado e empresário Marcelo de Freitas Castro, diz que com isso, o legislador outorga ao juiz as medidas atípicas executivas, ou seja, possibilita que o magistrado adote qualquer método coercitivo (direto ou indireto) para constranger o devedor a cumprir a obrigação constante do título executivo.
Doutrinadores como Fredie Didier Jr. e Humberto Theodoro Júnior destacam que a flexibilidade proporcionada pelo art. 139, IV, do CPC permitiu ao magistrado adotar medidas criativas e eficazes, alinhadas ao princípio da efetividade da jurisdição, tais como a suspensão da CNH e passaporte; inscrição do devedor em cadastros de proteção de crédito; e cancelamento de cartões de crédito.
O Processo do Trabalho sempre se manteve na lanterna da modernidade e, enquanto isso, o Processo Civil se modernizava, fazendo como que as ferramentas de execução disponibilizadas ao Estado-Juiz alcançassem notória efetividade.
Sabendo-se que as peculiaridades das relações de trabalho exigem mecanismos ágeis e eficazes para garantir proteção dos direitos dos trabalhadores, o campo trabalhista passou a adotar essas inovações.
Conforme aponta Maurício Godinho Delgado, a adoção de tais medidas é justificada pela necessidade de se assegurar a proteção dos direitos trabalhistas, que possuem caráter alimentar e são fundamentais para a dignidade do trabalhador.
Assim, a aplicação de medidas atípicas no âmbito do Direito do Trabalho, fundamentada no art. 139, IV, do CPC, aplicado subsidiariamente ao processo do trabalho, conforme preconiza o art. 769 da CLT, permite que o magistrado adote todas as medidas necessárias para assegurar o cumprimento das decisões judiciais, desde que respeitados os princípios da proporcionalidade e razoabilidade.
Requisitos para aplicação das medidas atípicas
Conforme mencionado, em que pese a autorização legal ao magistrado para adoção de medidas necessárias ao cumprimento da tutela jurisdicional, a adoção das medidas atípicas de execução deve respeitar alguns requisitos.
Inicialmente, é necessário que as medidas atípicas sejam meio subsidiário, ou seja, que tenham sido esgotados os meios tradicionais expropriatórios e coercitivos previstos em lei para satisfação da execução.
Além disso, é imperioso que haja indícios de que o executado possui condições de satisfazer a obrigação, além da necessidade de a decisão ser fundamentada, devendo a medida executiva ser adequada e razoável ao caso concreto – esgotamento das medidas típicas, sendo conferido ao executado o direito ao contraditório.
Por fim, como já salientado, é essencial que a medida respeite os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, tendo em vista a obrigação que se pretende cumprir e os danos a serem causados ao devedor, pois da mesma forma em que o credor tem direito a satisfação da obrigação, o devedor possui o direito em que a execução se desenvolva da forma menos gravosa (art. 805, CPC).
Ocorre, contudo, que, na prática, tais requisitos não têm sido cumpridos pelos magistrados, gerando ondas de debates sobre a ilegalidade ou inconstitucionalidade acerca de alguns meios atípicos, como a restrição de CNH e de passaporte de devedores.
A restrição de passaportes como meio atípico de execução na Justiça do Trabalho
A restrição de passaportes como medida atípica na execução trabalhista tem ganhado destaque nos últimos anos, sendo especialmente utilizada quando há indícios de que o devedor possui recursos financeiros, mas tenta se esquivar do cumprimento da obrigação por meio de manobras evasivas. A intenção é impedir que o devedor deixe o país, evitando, assim, a frustração da execução da sentença trabalhista.
Contudo, a jurisprudência tem entendido que a medida é desproporcional, além de ferir o direito constitucional de ir e vir do executado.
É nesse sentido que entendeu a Desembargadora Rosane Ribeiro Catrib, no julgamento do Habeas Corpus (processo 0107138-37.2024.5.01.0000), que deferiu o pedido liminar de retirada da suspensão aos passaportes de sócios de uma empresa reclamada.
No caso em questão, o juízo da 12ª vara do Trabalho do Rio de Janeiro determinou a inclusão dos sócios da reclamada na execução, com o bloqueio de seus ativos financeiros e a suspensão de suas CNHs e passaportes.
A decisão na Reclamação Trabalhista ocorreu de ofício, sem a instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica e, consequentemente, sem o exercício regular do contraditório, suspendendo as CNHs e passaportes dos pacientes, impedindo-os de emitir novos documentos e impossibilitando-os de sair do país.
A decisão, de acordo com o caso concreto, se revelou completamente desproporcional, pois o magistrado adotou medidas típicas executivas – como a penhora de ativos financeiros – e outras medidas atípicas, não observando o requisito da subsidiariedade, em que os meios atípicos de execução só devem ser adotados de forma residual.
Nesse sentido, na decisão do Habeas Corpus, a desembargadora destacou que, embora o art. 139, inciso IV, do CPC autorize a adoção de medidas atípicas ou de coerção indireta para forçar o cumprimento ou satisfação da tutela, no caso em questão, a decisão não se revelava proporcional, justa e adequada ao manter a restrição aos passaportes dos sócios, já que o intuito da medida é a satisfação do crédito trabalhista.
Assim, resta claro que a aplicação da medida de restrição de CNH e passaporte como meio coercitivo atípico para satisfação da tutela jurisdicional deve ser limitada a casos específicos, de modo proporcional, razoável e adequado, na medida em que fere direito fundamental do executado.
Considerações finais
Conforme restou destacado, a transposição das medidas atípicas de execução do Direito Processual Civil para o Processo do Trabalho representa uma evolução significativa na busca pela efetividade das decisões judiciais.
Contudo, a restrição de passaportes e CNH, como uma dessas medidas, deve ser pautada pela observância rigorosa dos princípios constitucionais, garantindo que a justiça seja feita de maneira plena e equilibrada, respeitando os requisitos legais, isto é, após o esgotamento dos meios tradicionais, e quando houver indícios de que o executado possui condições de satisfazer a obrigação, além de ser oferecido ao devedor o contraditório.
Portanto, o uso de medidas atípicas em execução no âmbito da Justiça do Trabalho deve ponderar a satisfação da tutela jurisdicional, não perdendo de vista os direitos e a integridade do devedor, assegurando que a justiça seja realizada de forma eficaz e justa.