Nomes da direita (e de centro) avançam entre eleitores mais pobres, fortaleza das vitórias de Lula

Segmento que historicamente vota alinhado com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o eleitor mais pobre vem reduzindo seu apoio ao petista ao passo que nomes da direita para 2026 apresentaram crescimento em simulações de segundo turno desde o fim do ano passado. Os dados são da pesquisa Genial/Quaest obtidos pelo GLOBO.

Dos oito nomes de oposição testados, sete tiveram oscilação positiva entre março e maio na faixa de até dois salários mínimos, enquanto o atual mandatário recuou. Eduardo Leite, agora no PSD, foi incluído pela primeira vez. Lula, que se mantém numericamente à frente dos concorrentes para o ano que vem, voltou a afirmar ontem, em Paris, que a “extrema direita não voltará ao Planalto”, ao ser questionado sobre estratégia eleitoral.

O movimento indica um possível deslocamento gradual do apoio popular que, durante décadas, sustentou o lulismo nas urnas, e acompanha o derretimento da popularidade do governo, que atingiu o maior patamar de desaprovação na pesquisa divulgada na última semana. Entre os mais ricos, Lula fica atrás nos oito cenários testados.

À espera de Bolsonaro

Em um eventual segundo turno com o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP), a distância entre os dois caiu cinco pontos entre os mais pobres: Lula recuou de 52 para 49, enquanto Tarcísio foi de 27 para 29. A distância, que agora é de 20 pontos no segmento, era de 38 em dezembro (58 a 20). A margem de erro é de 4 pontos.

Lula e Tarcísio estão em situação de empate técnico nas intenções de voto. Para concorrer, o governador de São Paulo almeja ter a benção de seu padrinho político Jair Bolsonaro (PL), que está inelegível por oito anos pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), além de ser réu por cinco crimes no Supremo Tribunal Federal (STF) por ter participado de uma trama golpista para permanecer no poder. Bolsonaro, que mantém o discurso de candidatura, tem relutado em indicar um sucessor, seja ele de seu campo político ou de dentro da própria família.

Tarcísio tem feito movimentos interpretados como uma aproximação com esse segmento. Há duas semanas, ele lançou o programa “SuperAçãoSP”, que tem como meta tirar 35 mil famílias da pobreza. O discurso, com tom cristão e alusões à meritocracia, soou como uma alternativa ao Bolsa Família.

O mais importante é a fé, a crença de que é possível superar a pobreza. Com os incentivos corretos, acredito que essas pessoas vão conseguir se emancipar — disse.

A ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro, que também apareceu tecnicamente empatada com Lula, ganhou dois pontos no segmento, enquanto o petista recuou três numa simulação de disputa entre os dois. Michelle tem apostado no público feminino, com eventos pelo país à frente do PL Mulher, e vive uma corrida interna dentro do clã com Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que já se colocou à disposição caso tenha aval do pai, e o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), nome mais alinhado ao Centrão e à articulação política na família.

O governador Ratinho Júnior (PSD-PR) foi de 27% para 30%, enquanto Lula recuou quatro pontos. Ratinho ganhou, no mês passado, a companhia de Eduardo Leite, que trocou o PSDB pelo PSD de Gilberto Kassab, que faz parte da base do governo, além de estar na gestão Tarcísio de Freitas.

Sobre uma candidatura própria do PSD para 2026, Kassab citou ontem o apoio do partido ao governador paulista, mas ressaltou que o partido conta com pré-candidaturas colocadas.

— Portanto, o PSD já tem o seu rumo — disse Kassab após evento do Grupo Esfera, em Guarujá (SP). — Qualquer grande partido tem por sonho ter uma candidatura própria à presidência. Esquece a questão do Lula. Não é “Lula” ou “não Lula”.

Entre mais pobres, Romeu Zema (Novo-MG) foi de 23% para 24%o de dois pontos. Já Ronaldo Caiado (União) foi de 22% para 26%.

O cenário acendeu um sinal de alerta no Planalto e entre aliados, que veem com preocupação a dificuldade do governo em traduzir seus feitos em percepções positivas para todas as faixas da população, incluindo as mais pobres.

Historicamente, a faixa mais vulnerável da sociedade funcionou como um reduto eleitoral de Lula. Às vésperas do segundo turno de 2022, a última pesquisa Datafolha indicava que Lula tinha 61% das intenções de voto entre eleitores com renda de até dois salários mínimos, enquanto Bolsonaro marcava 33%.

Esse alinhamento com o PT atravessou períodos de crise. Em 2014, por exemplo, Dilma Rousseff venceu Aécio Neves (PSDB) mantendo 65% das intenções de voto nesse estrato, contra 35% do adversário tucano, em uma disputa que marcou a ascensão da polarização no país.

A forte identificação se deve, em grande parte, ao legado de programas sociais implantados em governos petistas. Embora os primeiros tenham sido gestados no governo de Fernando Henrique Cardoso, foi Lula quem consolidou essas iniciativas, unificando-as sob o guarda-chuva do Bolsa Família, programa que substituiu e ampliou ações como o Bolsa Escola, Bolsa Alimentação e o Auxílio Gás.

Além disso, medidas como o Fies e o ProUni, voltadas à inclusão no ensino superior, e o Minha Casa Minha Vida, voltado à habitação popular, foram cruciais para consolidar a imagem do ex-presidente como um promotor da ascensão social das camadas mais pobres. No entanto, analistas observam que o atual desgaste pode estar relacionado à dificuldade do governo em renovar seu repertório.

— A percepção de estagnação, a frustração popular e o descontrole administrativo atingiram diretamente a confiança da população. O governo insiste em velhas fórmulas, o que consolida um ciclo de desgaste — diz o cientista político Paulo Baía, da UFRJ.

As “velhas fórmulas” mencionadas por Baía ainda se refletem no discurso presidencial. Na última terça-feira, Lula anunciou a intenção de lançar três novos programas sociais: um para subsidiar a compra de gás de cozinha, outro para apoiar reformas de moradias e um terceiro para facilitar o financiamento de motocicletas.

— Queremos ver se a gente dá conforto a essas pessoas.

Aposta na fé

Enquanto Lula perde terreno entre os mais pobres, a direita avança sobre esse eleitorado mobilizando um fator que se tornou central nos últimos anos: a religião. Segundo o Censo de 2022, divulgado recentemente, os evangélicos representam 26,9% da população brasileira, com forte presença nas comunidades de baixa renda.

Especialistas destacam que as denominações neopentecostais, dominantes nesse universo, pregam a chamada teologia da prosperidade, que associa sucesso e superação à fé individual e ao esforço pessoal, em contraste com a defesa de políticas estatais de redistribuição. Figuras como Silas Malafaia e Edir Macedo são líderes religiosos que exercem forte influência sobre esse público.

Segundo a cientista política Carolina Botelho, da UERJ, essa conexão religiosa tem sido cada vez mais explorada pela direita:

O bolsonarismo faz uma peregrinação intensa entre o eleitorado evangélico de baixa renda. Muitos desses eleitores têm como referências figuras como Malafaia e Macedo, que combinam discurso religioso com pregação política — avalia Botelho.