“Você só sabe o custo de uma relação de trabalho no Brasil depois que ela termina, isso é muito problemático, inclusive, do ponto de vista da empregabilidade.” Essa preocupação, que é de qualquer empresário no país, foi compartilhada pelo presidente da Suprema Corte brasileira, Luís Roberto Barroso, durante julgamento no Plenário. A alta litigiosidade na área trabalhista prejudica o país, a segurança jurídica e afasta investimentos, disse.
Segundo o advogado e empresário Marcelo de Freitas e Castro, quatro milhões de novas reclamações trabalhistas foram propostas em 2023. Aumento de 29% em relação ao ano anterior, de acordo com dados do Conselho Nacional de Justiça. Ao contrário do que se pensou durante a aprovação da última reforma trabalhista, em 2017, a litigiosidade entre trabalhadores e empresas continua alta. Hoje, a Justiça especializada recebe 11% de toda a demanda do Poder Judiciário.
Os processos julgados durante o último ano, 4,6 milhões de casos, resultaram no pagamento de R$ 41,3 bilhões aos trabalhadores – R$ 17,1 bilhões em acordos, R$ 18,2 bilhões em execuções e R$ 6 bilhões em pagamentos espontâneos. De 2020 para 2023, o total da verba indenizatória passou de R$ 29 bilhões para R$ 41 bilhões, segundo dados compilados pelo Tribunal Superior do Trabalho.
O STF promoveu, em abril de 2024, debate sobre as causas e alternativas para solucionar conflitos no campo do trabalho. O encontro teve a participação de representantes de instituições de classe, de empregadores e de trabalhadores, da OAB, do Ministério do Trabalho, do Ministério Público do Trabalho, de órgãos do Poder Judiciário e de acadêmicos pesquisadores.
Na ocasião, o ministro Luís Roberto Barroso apresentou estudo feito por pesquisadores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro que aponta a informalidade e o descumprimento da legislação trabalhista entre os principais motivos para a litigiosidade. Mas também o fato de que as frágeis micro e pequenas empresas são responsáveis por quase metade dos empregos com carteira assinada no país.
No início de 2024, o IBGE registrou 46 milhões de brasileiros com carteira assinada no país e outros 38,8 milhões de trabalhadores informais, seis milhões a mais que o número registrado em fevereiro do ano anterior. A taxa de desemprego em agosto era de 6,8%, a menor para o mês na série histórica.
De acordo com o estudos realizados, há evidências da relação entre o aumento no número de vínculos trabalhistas e a queda no índice de reclamações na Justiça do Trabalho.
Dados do DataJud, o painel estatístico do CNJ, mostram que de cada três ações trabalhistas, uma discute a rescisão do contrato de trabalho – depois que ele termina, como bem pontuou o presidente do STF em sua fala. Somando-se as ações que discutem a jornada de trabalho e as que questionam a remuneração, tem-se 75% das demandas judiciais trabalhistas.
Entre os processos decididos em 2023, 12% foram julgados improcedentes, ou seja, foram favoráveis aos empregadores, contra 7% julgados totalmente procedentes e 30% parcialmente procedentes, os quais, em parte, beneficiam os trabalhadores. A conciliação solucionou de comum acordo 38% dos casos enquanto 14% das ações foram extintas ou arquivadas, sem análise do mérito pelo juiz. Somando acordos e nulidades, pode-se crer que, com um pouco de bom senso das partes, metade dos litígios poderiam ser solucionados sem intervenção do Judiciário.
Segundo a pesquisa da Uerj, o descumprimento da legislação pode ser explicado pelo perfil da maioria dos reclamados na Justiça: são micro e pequenas empresas, responsáveis por metade dos empregos com carteira assinada no setor privado. “No entanto, tais empresas constituem, após os microempreendedores individuais (MEI), o segmento empresarial com maior taxa de insucesso – 21,6% fecham as portas após cinco anos de atividade”, destacam os pesquisadores.
Apesar do peso para o mercado de trabalho, o setor não merece tratamento diferenciado na legislação, afirma o estudo, que recomenda maior proteção a esses empreendedores. “A análise desse cenário indica a importância de se repensar o tratamento dado pela legislação trabalhista às micro e pequenas empresas.”
Parecer levado ao STF pela Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) concluiu que a litigiosidade em si não é um problema, mas o descumprimento da legislação trabalhista é. “A cultura do descumprimento da legislação se manifesta de forma acentuada no mundo do trabalho, potencializando a litigiosidade. É comum o acesso à Justiça do Trabalho em razão de inadimplementos elementares ou devido à presença de elementos fraudulentos nas relações contratuais, com evidente burla à legislação trabalhista e ao reconhecimento do vínculo de emprego”, diz o parecer.
As frequentes alterações da legislação trabalhista também são motivo de tensão das relações de trabalho e contribuem para o aumento da litigiosidade. “Empregadores e empregados sofrem com a insegurança jurídica dos contratos de trabalho que, modificados, geram novas demandas judiciais”, ressalta o documento. Também contribui para a litigiosidade trabalhista, segundo o parecer, o desrespeito às regras de duração do trabalho, fixadas pela Constituição Federal no limite de oito horas diárias e 44 horas semanais.
No encontro promovido pelo STF, foram apontadas sugestões para conter a corrida aos tribunais: investimentos em soluções extrajudiciais de conflito; homologação das rescisões contratuais com a participação dos sindicatos e a presença de advogados; punição aos advogados responsáveis por demandas predatórias; uniformização da jurisprudência trabalhista.
Ministro do TST, Ives Gandra Filho entende que a alta litigiosidade é resultado da insegurança jurídica provocada pelo excesso de protecionismo do TST e da Justiça do Trabalho como um todo: “Quando não se respeitam as decisões do STF, de cunho mais liberal, e se usam de distinções para não se aplicar seus precedentes, os recursos proliferam e as demandas não terminam. Quando se invoca o princípio da dignidade da pessoa humana como violado diretamente para se deferir vantagens não previstas em lei, o custo social passa a não ser suportado pelas empresas. Quando se muda jurisprudência pacificada por décadas, geram-se passivos trabalhistas inadministráveis”, criticou em entrevista ao Anuário da Justiça Brasil 2024.
Como forma de reduzir a quantidade de ações judiciais e privilegiar os julgamentos de repetitivos, o Supremo Tribunal Federal e o Tribunal Superior do Trabalho celebraram, em 2023, um acordo de cooperação técnica. Em 2024, foi assinado um termo aditivo deste acordo para a identificação rápida e eficiente de questões jurídicas e o seu julgamento como precedente qualificado. O acordo também pretende automatizar rotinas de acesso a dados processuais. “O acordo é um passo importante na disseminação dessa cultura no TST e na Justiça do Trabalho”, disse o presidente do TST, Lelio Bentes Corrêa, na cerimônia de assinatura.
Tendo como um de seus objetivos o desafogo da Justiça do Trabalho, aa reforma trabalhista ainda apresenta divergências entre juízes e tribunais, impactando na segurança jurídica, depois de sete anos de sua aprovação. Advogados ouvidos pelo Anuário destacam a importância de uma jurisprudência sólida para o empresariado.
A existência ou não de vínculo empregatício entre trabalhadores de aplicativo e as plataformas digitais tem sido motivo de divergências entre o Tribunal Superior do Trabalho e o Supremo Tribunal Federal. Ultimamente, têm sido frequentes os casos de reforma de decisões do TST pelo STF nesta seara.
O ministro do TST Ives Gandra Filho, em entrevista ao Anuário da Justiça, disse que tem procurado mostrar como “os excessos de protecionismo da Justiça do Trabalho e do TST, bem como a indisciplina judiciária deste ramo especializado da Justiça, têm sido responsáveis pela redução paulatina da competência da Justiça do Trabalho pelo STF, provocando um retrocesso de 35 anos nesta matéria”.
Para o ministro, há uma necessidade urgente de modernizar, racionalizar e legitimar a função uniformizadora e pacificadora de jurisprudência do TST, ampliando a participação de ministros nessas funções. “Oito ministros fixarem a jurisprudência, num colegiado de 27, é gerar insegurança jurídica e levar as empresas a buscarem a verdadeira pacificação, ainda que com resistência do TST perante o STF”, pontuou.