O Projeto de Lei 3944/24, do deputado Célio Silveira (MDB-GO), que tramita atualmente sob regime de urgência na Câmara dos Deputados, tem sido visto como uma matéria de extrema necessidade para o país. O texto, na prática, altera a Lei 12.305, de 2 de agosto de 2010, que instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos para dispor sobre a proibição de importação de resíduos sólidos.
Sua importância se dá porque um dado pouco divulgado sobre os resíduos sólidos no Brasil é que além de gerar esses resíduos em grande quantidade – é o quarto maior gerador de lixo plástico do mundo – o país também é um grande importador de lixo, pois recebe resíduos para reciclagem gerados por outras nações.
Para se ter ideia, na última década, conforme informações de técnicos da comissão de Meio Ambiente da Câmara dos Deputados, o Brasil importou 56 milhões de toneladas de resíduos. O principal destino foi o Rio Grande do Sul, estado vitimado pelas inundações catastróficas de 2023 e 2024, onde as autoridades não sabem o que fazer com as 46,7 milhões de toneladas de resíduos acumulados pelas enchentes somente em Porto Alegre.
A importação de resíduos sólidos sobrecarrega ainda mais esses sistemas de destinação e disposição final, contribuindo para a poluição do solo, água e ar.
Conforme informou o deputado autor do projeto, na sua justificativa, a importação de resíduos perigosos já é vedada pela Convenção de Basiléia (Convenção sobre o Controle de Movimentos Transfronteiriços de Resíduos Perigosos e seu Depósito, promulgada pelo Decreto 875/1993). E essa proibição foi reforçada pelo artigo 49 da Política Nacional de Resíduos Sólidos. Mas ficou uma brecha, nessas normas, para a possibilidade de importar outros resíduos, desde que não constantes nos anexos da Convenção de Basiléia.
“A redação atual do dispositivo abre a possibilidade para que determinados tipos de lixo sejam trazidos ao país”, destacou o deputado. “Ao proibir a importação de resíduos sólidos, o país garantirá que os recursos e a infraestrutura destinados ao gerenciamento de resíduos sejam utilizados para lidar com seus próprios desafios, em vez de assumir a responsabilidade pelos resíduos gerados por outras nações. Isso promove a responsabilidade local e a capacidade de gerir adequadamente o lixo que geramos”, acrescentou ele.
Transferência de responsabilidade
Para ambientalistas diversos, o comércio internacional de resíduos sólidos é uma forma de transferência de responsabilidade e custos associados ao gerenciamento de resíduos para países com capacidades econômicas e tecnológicas limitadas. “É uma prática injusta e desigual no comércio internacional, onde os países mais ricos transferem seus problemas ambientais para outras nações”, enfatizou a engenheira Helenize Dourado, pesquisadora sobre o tema.
De acordo com os parlamentares que são favoráveis ao projeto, a proibição da importação de resíduos sólidos incentivará práticas mais sustentáveis de gerenciamento de resíduos, em especial o estímulo aos programas de reciclagem e a economia circular. “Além disso, o comércio de resíduos está associado a atividades ilegais, como o tráfico de resíduos perigosos e o descarte clandestino. A proibição legal ajudará a prevenir esses crimes e garantir que os resíduos sejam gerenciados de maneira responsável e dentro do marco legal vigente”, destaca, ainda, a justificativa para o PL.
Outros impactos
Vão ao encontro destas informações dados técnicos do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) segundo os quais a importação de papel, vidro e plástico aumentou significativamente entre 2019 e 2022, quando as alíquotas eram zeradas. Embora o governo atual tenha elevado a taxa de importação para 18%, o problema persiste.
“Continua sendo mais barato comprar resíduos de fora em vez de reciclar os nossos próprios, o que precariza o trabalho dos catadores e desvaloriza o material reciclado nacional”, afirmou Isabela de Marchi, gerente de sustentabilidade da SIG na América do Sul.
De opinião semelhante, a professora Patrícia Iglecias, especialista em gestão ambiental e superintendente da Universidade de São Paulo (USP), enfatizou que a importação de resíduos não apenas prejudica os catadores, mas também gera um impacto ambiental significativo. “Ao não usar o trabalho dos catadores, você não atende à ecoeficiência prevista na Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS). Além disso, resíduos importados chegam muitas vezes contaminados, sem rastreamento, abrindo espaço para a chegada ilegal de lixo tóxico no Brasil”, alertou.
Iglecias também destacou que o transporte marítimo desses materiais aumenta as emissões de carbono, enquanto a ausência de dados sobre a produção no país de origem torna a prática uma concorrência desleal com os resíduos gerados no Brasil. “Se queremos avançar em matéria de sustentabilidade, é preciso considerar a proibição total da importação de resíduos como medida não só ambiental, mas também econômica e social”, defendeu.
Economia circular
O deputado Célio Silveira destacou que, ao priorizar a reciclagem nacional, o PL 3944/24 também busca fortalecer a economia circular no Brasil, gerando empregos para os catadores e reduzindo a poluição.
Com a aprovação do regime de urgência, o projeto entra na pauta de votações do plenário da Câmara a partir desta semana. Os projetos que recebem autorização para tramitar em rito de urgência são todos os que, considerada a sua relevância, podem ser votados diretamente no Plenário, sem passar antes pelas comissões da Casa legislativa. De lá, a matéria segue para o Senado Federal.