É sabido de todos sobre os fenômenos climáticos que atingiram o Estado do Rio Grande do Sul a partir do início do mês de maio 2024. A tragédia social e humana vivenciada ensejou diversas respostas do poder público; além das ações de resgate e reconstrução, destacam-se diversas medidas estruturais de Direito Econômico, Orçamentário e Tributário.
Segundo o advogado e empresário Marcelo de Freitas e Castro, após a MP 1.219, que trouxe políticas assistenciais para a população afetada, foi editada a MP 1.230, 07/06/24, que traz algumas medidas trabalhistas de apoio à população afetada, visando também a preservação de postos de trabalho.
Abaixo analisaremos os principais pontos desse mecanismo essencial ao enfrentamento desta situação crítica.
Benefício de apoio financeiro aos trabalhadores com vínculo de emprego afetados pelos fenômenos climáticos
O art. 1º, da MP 1.230/24 cria o “Apoio Financeiro com o objetivo de enfrentas a calamidade pública e as suas consequências sociais e econômicas decorrentes de eventos climáticos no Estado do Rio Grande do Sul, destinado aos trabalhadores com vínculo formal de emprego”.
Como é explicitado no art. 1º da MP 1.230/24, o público alvo desta política trabalhista emergencial reside nos empregados e empregadas regidos pela CLT, bem como estagiários (regidos pela lei 11.788/08).
A MP 1.230/24 também incluiu na população abrangida os empregados domésticos regidos pela lei complementar 150/15 (art. 4º, § 4º).
Essa política trabalhista emergencial é bastante relevante e digna de elogios. Contudo, recebe a crítica de persistir atrelada a um elemento possivelmente limitante e restritivo, qual seja conferir proteção econômica tão somente aos trabalhadores com vínculo formal, deixando novamente desamparados os inúmeros trabalhadores e trabalhadoras em situação informal ou de precariedade.
Valor do benefício e modo de pagamento
O Apoio Financeiro será pago em duas parcelas de R$ 1.412,00, correspondente ao valor do salário mínimo de 2024, as quais serão recebidas nos meses de julho e agosto.
Apesar de o apoio financeiro possuir natureza de “auxílio à empresa”, com o escopo da preservação da empresa e dos postos de trabalho, será pago diretamente aos empregados.
Requisitos para obtenção do apoio financeiro
A obtenção do benefício de Apoio Financeiro exige a localização dos estabelecimentos das empresas em áreas efetivamente atingidas, conforme delimitação georreferenciada, nos termos de ato do ministro de Estado do Trabalho e Emprego, em municípios em estado de calamidade ou situação de emergência reconhecido pelo Poder Executivo federal.
O estado de calamidade pública já foi reconhecido através do decreto legislativo 36/24, indicando-se um rol de municípios afetados pelas questões climáticas.
Da leitura da norma em tela verifica-se que é exigido que os estabelecimentos das empresas tenham sido efetivamente atingidos, não bastando, para recebimento do Apoio Financeiro, que as empresas tenham mera sede contábil (domicílio fiscal) nos municípios atingidos.
A MP 1.230 permite a utilização do georreferenciamento, mecanismo muito mais inteligente do que a exigência de comprovação documental de residência prevista no modelo utilizado para o auxílio reconstrução da MP 1.219/24.
Como em qualquer política pública, há preocupação com a regularidade do uso de verbas públicas e, nesse sentido, o art. 7º, estabelece que a apresentação de informações falsas implica sanções penais e cíveis, bem como a devolução dos valores ao Erário. Nesse caso, tais recursos serão revertidos à União Federal (art. 10).
Requisitos de elegibilidade aplicáveis aos empregados e empresas
Em relação aos empregados, o benefício de apoio financeiro exige que a pessoa seja maior de 16 anos (não se aplicando essa regra aos aprendizes) e que não esteja com o contrato de trabalho suspenso para qualificação profissional (hipótese de layoff prevista no art. 476-A da CLT).
Quanto às empresas, exige-se a adesão ao E-Social, bem como a manutenção dos empregos, da mesma remuneração por ao menos 2 meses após o pagamento do Apoio Financeiro, assim como a manutenção do cumprimento das obrigações trabalhistas e previdenciárias.
Outrossim, requer-se a Declaração da Redução de Faturamento e capacidade de operação em decorrência dos eventos climáticos, indicando a impossibilidade de cumprimento das obrigações salariais.
Natureza jurídica do apoio financeiro da MP 1.230/24
O benefício de apoio financeiro da MP 1.230/24 é de “auxílio à empresa“, apesar de pago diretamente aos empregados, e portanto consideramos que não configura remuneração ou contraprestação pelo trabalho realizado, de modo que não pode ser utilizado como base de cálculo para a incidência das contribuições sociais (INSS e FGTS).
Operacionalização e orçamento
A operacionalização do pagamento do apoio financeiro ficará sob a responsabilidade do Ministério do Trabalho e do Emprego e será pago pela Caixa Econômica Federal (art. 8º, caput).
O pagamento ocorrerá por meio de conta poupança social digital, de abertura automática em nome do beneficiário, tal qual ocorreu, de forma bem sucedida, com os auxílios financeiros pagos na época da pandemia de COVID-19.
A lei 14.175/20, que regulamenta a conta poupança social digital, estabelece um limite de R$ 5.000,00 para as movimentações nesta forma de mecanismo bancário simplificado. Todavia, o benefício de apoio financeiro, tal qual o auxílio reconstrução da MP 1.219/24, foi excepcionado desse cômputo pela MP 1.230/24.
Também poderá ser utilizada outra conta previamente existente em nome do beneficiário nessa mesma instituição financeira, mas, em ambos os casos, não poderá efetuar descontos ou qualquer espécie de compensação que impliquem a redução do valor recebido a pretexto de recompor saldo negativo ou de saldar dívidas preexistentes, a exemplo de empréstimos consignados.
As despesas do apoio financeiro são de natureza discricionária e correrão à conta das dotações consignadas ao ministério do trabalho e do emprego, mediante previsão orçamentária (art. 9º).
Eventuais recursos não creditados ou decorrentes de apoio financeiro que sejam disponibilizados indevidamente serão revertidos à União (art. 10).
Vedações à adesão ao programa de apoio financeiro
A benesse econômica prevista na MP 1.230/24 não pode ser atribuída a empresas públicas e sociedades de economia mista (art. 5º).
Compreendemos que a razão da exclusão aqui reside no fato de que as empresas públicas e sociedades de economia mista possuem parte de seu capital oriundo do Poder Público, e poderiam haver restrições derivadas do Direito Financeiro e do Direito Administrativo nesse sentido.
Também não pode ser atribuída a empresas em débito com a Seguridade Social (art. 6º) haja vista a norma de enforcement do orçamento público contida no art. 195, § 3º, da Constituição Federal:
§ 3º A pessoa jurídica em débito com o sistema da seguridade social, como estabelecido em lei, não poderá contratar com o Poder Público nem dele receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios.
O apoio financeiro previsto na MP 1.230/24, tratando-se de benefício creditício, não poderá ser concedido às pessoas jurídicas em débito com a Seguridade Social.
Prorrogação das convenções e acordos coletivos do trabalho
As convenções e acordos coletivos do trabalho dos municípios afetados pela crise climática serão automaticamente prorrogadas por 120 dias, conforme o art. 12 da MP 1.230/24.
Trata-se de uma prorrogação ope legis dessas normas coletivas, motivada pelo estado de calamidade pública, visto que, atualmente, e quiçá pelos próximos meses, não há condições ideais para a realização do processo de negociação coletiva.
Deve-se ressaltar, contudo, que se cuida de situação diferente daquela prevista na súmula 277 do TST, que previa a ultratividade das normas coletivas do trabalho e, além de revogada pela reforma trabalhista, foi julgada inconstitucional pelo STF (ADPF 323).
Regulamentação
O art. 11 da MP 1.230/24 estabelece que o MTE poderá editar atos complementares para viabilizar seu cumprimento.